Entrevista para Revista ISTOÉ
CIRURGIAS SEM DOR NEM SANGUE
O primeiro espírito a se materializar para o analista fiscal Wagner Fiengo, 37 anos, de São Paulo, foi de um primo. Ele tinha dez anos, teve medo e se afastou. Mas, na juventude, um tio, seguidor da doutrina, avisou que era hora de ele se preparar para a missão que lhe fora reservada. Por meio da psicografia, seu guia espiritual, o médico Dr. Ângelo, informou que teriam um compromisso: curar pessoas. Ele não foi adiante.
Uma pancreatite surgiu sem que os médicos diagnosticassem os motivos. Há quatro anos, seu guia explicou que as doenças eram ajustes a erros que Fiengo havia cometido numa vida passada. A missão era a forma de equilibrar a saúde e a alma. Em 2004, iniciou as cirurgias espirituais. Ele diz que não é uma substituição ao tratamento convencional. “É um auxílio na cura de fatores emocionais e físicos.”
O PODER DOS MÉDIUNS
COMO A CIÊNCIA JUSTIFICA AS MANIFESTAÇÕES DE CONTATO COM ESPÍRITOS
POR QUE ALGUMAS PESSOAS DESENVOLVEM O DOM
Suzane Frutuoso fotos Murillo Constantino
01/10/08 - 10h00
O espiritismo é seguido por 30 milhões de pessoas no mundo. O Brasil é a maior nação espírita do planeta. São 20 milhões de adeptos e simpatizantes, segundo a Federação Espírita Brasileira – no último Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) 2,3 milhões declararam seguir os preceitos do francês Allan Kardec, o fundador da doutrina. A mediunidade, popularizada pelas psicografias de Chico Xavier, em Uberaba (MG), ganhou visibilidade nos últimos anos na mesma proporção em que cresceu o espiritismo. Mas nada se compara ao poder da mídia atual, que permite debater os ensinamentos da religião por meio de livros, programas de tevê e rádio. Os romances com temática espiritualista de Zíbia Gasparetto, por exemplo, são presença constante nas listas de mais vendidos.
Embora não haja estatísticas de quantos entre os praticantes são médiuns, o que se observa é uma quantidade maior de pessoas que afirmam possuir o dom. O interesse pela religião fundamentada por Kardec (por isso também chamada de kardecismo) é confirmado pelo recorde de público do filme Bezerra de Menezes – o diário de um espírito, do cineasta Glauber Filho: 250 mil espectadores, desde o lançamento nos cinemas, em 29 de agosto. Um número alto para uma produção nacional. O longa, com o ator Carlos Vereza (também praticante do espiritismo) no papel-título, conta a história do cearense que ficou conhecido como “médico dos pobres”, se tornou ícone da doutrina e orienta médiuns em centenas de centros a se dedicar ao bem e à caridade.
São cinco os meios de expressão da mediunidade.
A psicografia, que consagrou Chico Xavier, é a mais conhecida. Nela, o médium escreve mensagens e histórias que recebe de espíritos. Estaria sob o controle deles o que as mãos transcrevem. A vidência permite enxergar os mortos que não conseguiram se desvencilhar da Terra ao não aceitarem a morte ou que aparecem para enviar recados a entes queridos. Na psicofonia, o sensitivo é capaz de ouvir e reproduzir o que os espíritos dizem e pedem. A psicografia, ou pintura mediúnica, permite ao médium ser instrumento de artistas desencarnados (termo usado pela doutrina para designar mortos). A mediunidade da cura é responsável pelas chamadas cirurgias espirituais. Não é incomum um mesmo indivíduo reunir mais de um tipo de dom.
Nem sempre é fácil aceitar a mediunidade, que pode causar medo quando começa a se manifestar.
“Ainda hoje não gosto quando vejo o possível desencarne de alguém. Nestas horas, preferia não saber”, conta a psicóloga Marilusa Moreira Vasconcelos, 65 anos, de São Paulo, que psicografa. O médium de cura Wagner Fiengo, analista fiscal paulistano, 37 anos, chegou a se afastar da doutrina. “Aos 13 anos não entendia por que presenciava aquilo.” Para manter a sanidade e o equilíbrio, as pessoas que possuem dons e querem fazer parte da religião espírita precisam se dedicar à educação mediúnica. O curso leva cinco anos. Inclui os ensinamentos que Allan Kardec compilou no Livro dos espíritos – a obra que deu base ao entendimento da doutrina – e no Livro dos médiuns – que explica quais são os tipos de mediunidade, como eles se manifestam e os cuidados a serem tomados. Entre eles, o combate a falhas de comportamento, como vaidade, orgulho e egoísmo.
O espiritismo prega que as imperfeições da personalidade atraem espíritos com a mesma vibração. “O pensamento é tudo. Aqueles que pensam positivo atrairão o que é semelhante. O mesmo acontece com o pensamento negativo e os vícios. Quem gosta de beber, por exemplo, chama a companhia de espíritos alcoólatras”, afirma o professor de educação mediúnica Ivanildo Protázio, 49 anos, de São Paulo, que tem o dom da vidência.
Imaginar que convivemos no cotidiano com pessoas que estão mortas vai além da compreensão sobre a vida pelo menos para quem não acredita em reencarnação. Mas até na ciência já existem aqueles que conseguem casar racionalidade com dons espirituais. Esses especialistas afirmam que a mediunidade é um fenômeno natural, não sobrenatural.
E que o mérito de Allan Kardec foi explicar de maneira didática o que sempre esteve presente – e registrado – desde a criação do mundo em todas as religiões. O que seria, dizem os defensores da doutrina, a anunciação do Anjo Gabriel a Maria, mãe de Jesus, se não um espírito se comunicando com uma sensitiva?
Apesar desse contato constante, os mortos, ou desencarnados, como preferem os espíritas, não aparecem em “carne e osso”. A ligação com o mundo dos vivos seria possível graças ao perispírito, explica Geraldo Campetti, diretor da Federação Espírita Brasileira. “Ele é o intermediário entre o corpo e o espírito.
A polpa da fruta que fica entre a casca e o caroço.” O perispírito seria formado por substâncias químicas ainda desconhecidas pelos pesquisadores terrenos, garantem os adeptos do espiritismo. “É a condensação do que Kardec batizou como fluido cósmico universal”, afirma o neurocirurgião Nubor Orlando Facure, diretor do Instituto do Cérebro de Campinas.
Nas quatro décadas em que estuda a manifestação da mediunidade no cérebro, Facure mapeou áreas cerebrais que seriam ativadas pelo fluido.
DR. SERGIO FELIPE DE OLIVEIRA
Comprovar cientificamente a mediunidade também é objetivo do psiquiatra Sérgio Felipe Oliveira, professor de medicina e espiritualidade da Faculdade de Medicina da USP e membro da Associação Médica-Espírita de São Paulo. Com exames de tomografia, ele analisou a glândula pineal (uma parte do cérebro do tamanho de um feijão) de cerca de mil pessoas. “Os testes mostraram que aqueles com facilidade para manifestar a psicografia e a psicofonia apresentam uma quantidade maior do mineral cristal de apatita na pineal”, afirma Oliveira.
Ele também atende, no Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo, casos de pacientes de doenças como dores crônicas e epilepsia que receberam todos os tipos de tratamento, não tiveram melhora e relatam experiências ligadas à mediunidade. “Somamos aos cuidados convencionais, como o remédio e a psicoterapia, a espiritualidade, que vai desde criar o hábito de orar até a meditação.
E os resultados têm sido positivos.” Uma pesquisa de especialistas da USP e da Universidade Federal de Juiz de Fora, publicada em maio no periódico The Journal of Nervous and Mental Disease, comparou médiuns brasileiros com pacientes americanos de transtorno de múltiplas personalidades (caracterizado por alucinações e comportamento duplo). Eles concluíram que os médiuns apresentam prevalências inferiores de distúrbios mentais, do uso de antipsicóticos e melhor interação social.
A maior parte dos cientistas acredita que a mediunidade nada mais é do que a manifestação de circuitos cerebrais. Alguns já seriam explicáveis, como os estados de transe. Pesquisas da Universidade de Montreal, no Canadá, e da Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos, comprovaram que, durante a oração de freiras e monges católicos, a área do cérebro relacionada à orientação corporal é quase toda desativada, o que justificaria a sensação de desligamento do corpo.Os testes usaram imagens de ressonâncias magnéticas e tomografias feitas no momento do transe.
A teoria seria aplicável ao transe mediúnico, quando o médium diz incorporar o espírito e não se lembra do que aconteceu. Pesquisadores da Universidade de Southampton, na Inglaterra, estudaram pessoas que estiveram entre a vida e a morte e relataram se ver fora do próprio corpo durante uma operação ou entrando em contato com pessoas mortas.
Os estudiosos concluíram se tratar de um fenômeno fisiológico produzido pela privação de oxigênio no cérebro. Trabalhando sob stress, o órgão seria também inundado de substâncias alucinógenas. As imagens criadas pela mente seriam apenas a retomada de percepções do cotidiano guardadas no inconsciente.
O psiquiatra Sérgio Felipe Oliveira rebate a incredulidade. “Se uma pessoa está em cirurgia numa sala e consegue descrever em detalhes o que ocorreu em um ambiente do outro lado da parede, é possível ser apenas uma sensação?” Essa é uma pergunta que nenhuma das frentes de pesquisa se arrisca ou consegue – a responder com exatidão. Da mesma maneira que todos os presentes à sessão de pintura em Indaiatuba saíram atônicos, sem conseguir explicar como alguém que conheceram numa noite foi capaz de decifrar suas angústias mais inconfessáveis.